Umas das principais ligações da Zona Norte com o centro de Santa Maria está fechada desde 2019, por determinação judicial. Faz quatro anos que há uma barreira de concreto no cruzamento da linha férrea, na Rua Sete de Setembro.
A importante via do Bairro Perpétuo Socorro era rota para a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) e Hospital Casa de Saúde. A rua deixou de ser trajeto do transporte coletivo, e somente pedestres transitam desde então.
Anos se passaram até que houvesse a resolução para o bloqueio, e os períodos de negociação foram acompanhados de manifestações constantes de moradores e empresários para a abertura da via.
Decisão Judicial
O fechamento com barreiras de concreto ocorreu como contrapartida à construção do túnel da Avenida Rio Branco, previsto em convênio assinado ainda no governo Valdeci Oliveira (PT), em 2004, com o Departamento Nacional de Infraestrutura (Dnit). O denominado Viaduto da Gare seria uma alternativa de ligação entre o Centro e a região norte da cidade.
O viaduto, que seria construído ao tempo que a Rua Sete deveria ser bloqueada, foi projetado para desafogar o trânsito na via, e evitar congestionamentos quando os trens passam e interrompem o trânsito no local. Ele foi entregue em agosto de 2010, e custou R$ 6,4 milhões, sendo R$ 5,2 milhões de recursos federais e R$ 1,2 milhão em contrapartida da prefeitura.
Depois de concluída a obra, o Dnit, que bancou os recursos do túnel, entrou na Justiça para exigir o cumprimento da contrapartida numa longa batalha judicial.
Movimentação de moradores e comerciantes
Durante o decorrer dos anos, o fechamento foi motivo de protesto de moradores e de quem tinha negócios no local. Desde o bloqueio, empreendedores relataram impactos de demissões e queda de rendimento, e vinham com ânimos exaltados.
Em 2019, ano do fechamento, moradores da Rua Sete de Setembro fizeram uma mobilização em prol da abertura da via. Naquele momento, a Frente Parlamentar em Defesa da Reabertura da Rua Sete atuava na primeira reunião com vereadores, deputados e moradores. 2020 foi outro, e em 2021 também, em que houveram protestos nos trilhos.
Uma via sem movimento
Quem passa em frente à casa de Élvio Oliveira Masiel, ferroviário aposentado de 66 anos, e da mulher, Terezinha Quinhoenez Masiel, 63, vê, frequentemente, crianças brincando. Uma delas é o neto de um ano, Matheu Dorneles.
Durante 40 anos, a família cresceu neste cenário, e nos últimos quatro, aproveita a calmaria do local após o bloqueio. A falta de ônibus que pare em frente à casa seria um dos únicos pontos negativos para a família.
– Para nós, moradores, até que ficou bom pelo movimento. Ficou ruim para o pessoal do mercado, lavanderia. Mas nós estamos gostando do fechamento – afirma o avô de Matheu.
Marco Aurélio Rispoli, 59 anos, era um dos comerciantes que teve o negócio da família fechado após a diminuição do movimento na via. O aposentado tocava o restaurante com sua mulher até não conseguirem manter a produção. O ‘Célebra, eventos e delícias’ fechou após dois meses de bloqueio, e diminuição de 70% do movimento na rua:
– Nós tínhamos um fluxo muito grande de clientes. Aqui é cruzamento de vários bairros, e muitos passavam aqui, pegavam suas marmitex e almoçavam – conta Marco Aurélio.
Algumas casas abaixo das barreiras de concreto fica a clínica particular Pousada Acolher. A situação de bloqueio preocupa a enfermeira Simone Cabral, responsável técnica da clínica, que atende pacientes com problemas mentais avançados. Ela salienta:
– Para nós, prejudica demais o nosso trabalho. É questão de minutos que tu consegue salvar uma vida e evitar alguma coisa. Então, para nós, realmente, prejudica muito.
Nas palavras da enfermeira Simone, a logística de chegada e saída é ponto crucial para um atendimento eficiente dos 20 pacientes da Pousada Acolher. Além da UPA e do Hospital Casa de Saúde, eles podem vir de outros locais, e a falta de acesso direto piora a situação:
– Às vezes, eles estão lá do outro lado, daí eles têm que fazer todo o contorno para chegar até aqui. E já houve casos de um paciente com urgência em que eles demoraram em função disso.
A busca do poder público por reverter a situação
Jorge Pozzobom (PSDB) assumiu o cargo de prefeito de Santa Maria em 2016, e ainda se discutia o bloqueio. As barreiras foram instaladas após 15 anos de discussão, em 2019. A decisão judicial obrigava a medida ou o pagamento de uma multa de R$ 15 milhões, além da possibilidade de um processo de improbidade administrativa contra Pozzobom.
– Judicialmente, houve uma sentença transitada e julgada, ou seja, não cabe mais recurso. Ela determinou o fechamento da Rua Sete. Nós começamos uma conversa com o Ministério (da Infraestrutura) lá em Brasília para tentar modificar através de um acordo. A última informação que a gente teve foi em 2020, se não me engano, é que a prefeitura fez tudo que poderia junto ao ministério. Agora, cabe uma conversa entre a prefeitura e a empresa Rumo – relembra o prefeito.
Em 2021, a prefeitura entrou com um pedido administrativo junto à Rumo, empresa responsável pela malha ferroviária de onde há o bloqueio. Com ela, Pozzobom prevê tratar das orientações de sinalização e fazer uma intervenção com verba da iniciativa privada para a liberação da rua. Ele comenta sobre a tratativa para conceder a autorização da Rumo:
– Não tem nada definido. Assumimos o compromisso com a Rumo de que todos os aparelhos de segurança da via, sinaleira, cancela, o que tiver que ter, nós vamos fazer para eles. Tudo que tivermos que fazer nós iremos fazer, com o apoio da iniciativa privada. Então não vamos avançar sem ter responsabilidade. E óbvio que eu gostaria de abrir imediatamente, até porque eu nasci na Rua Sete – explica Pozzobom.
HISTÓRICO
- 2004 – A prefeitura, sob comando de Valdeci Oliveira (PT), firmou um convênio com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para a construção do viaduto no final da Avenida Rio Branco. Em contrapartida, a Rua Sete seria fechada
- 2010 – O Viaduto da Gare foi entregue, mas não houve bloqueio
- 2015 – Decisões da Justiça Federal prevêem o bloqueio da Rua Sete sob pena do pagamento de R$ 15 milhões ao Dnit. Desde essa data, não era mais possível judicialmente reverter a situação
- 2018 – Houve negociação com Dnit e Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT),mas nada avançou. Pozzobom foi até Brasília buscando suspender por pouco tempo o pagamento do montante até que houvesse o bloqueio
- 2019 – Via Bloqueada. Circulação somente para pedestres. A situação segue até hoje
- 2021 – A prefeitura iniciou negociação com a empresa Rumo para orientações de sinalização e fazer uma intervenção com verba da iniciativa privada